segunda-feira, 12 de março de 2012

Santiago: A Poesia de uma Cidade Educadora.

“A cidade deve saber encontrar, preservar e apresentar sua identidade pessoal e complexa. Esta a tornará única e será a base de um diálogo fecundo com ela mesma e com outras cidades.”

Art. 7º da Carta das Cidades Educadoras


A cidade de Santiago, na região central do estado do Rio Grande do Sul – Brasil, está em processo de consolidação de sua identidade cultural a partir da denominação de “Terra dos Poetas”. Ao voltarmos o olhar para a tela elaborada por Clio, veremos a justificativa de uma cultura poética entrelaçada a formação sócio-histórica, mediante o expressivo número de talentos que nasceram ou adotaram esta terra e a orgulham com suas produções.

Passamos do Povinho do Boqueirão para Freguesia de Sant’ Iago e depois de Vila para Cidade, e em todos esses momentos históricos ficaram registros de uma vocação literária, como expressa Constantino (1984, p.15) que para “sentir a paisagem missioneira, mais especificamente, sentir a base física em que os santiaguenses estão assentados, seria pertinente e interessante mas exigiria, com propriedade, alguma inspiração poética.”

Assim, na historicidade de nossas raízes emerge a necessidade de trazermos ao palco da vida, personagens, vozes e fazeres que justificam a alcunha de “Terra do Poetas”, oficializada pela Lei de Número 046/98 de autoria do então vereador Nelson Peraça Abreu e reconhecida estadualmente a partir do Projeto de Lei de Número 90/2008.

É importante lembrar que quando falamos em “Terra dos Poetas” estamos retomando a compreensão grega da “Poiesis”, que significou inicialmente criação, ação, confecção e depois passou a ser a faculdade poética, pois os poetas de Santiago são todos aqueles que se expressam artisticamente e fazem uso das diversas linguagens.

Saber reconhecer e explorar a identidade cultural e transformar os espaços urbanos em grandes cenários educativos é uma das obrigações das cidades que se comprometem com os princípios expressos na Carta das Cidades Educadoras.

Por essa razão que a cidade de Santiago ingressou na AICE (Associação Internacional de Cidades Educadoras) e busca integrar a memória e a produção de artistas como Caio Fernando Abreu, Aureliano de Figueiredo Pinto, Túlio Piva entre outros, aos espaços urbanos, planejando-os para o bem estar de seus habitantes, valorização da história local, desenvolvimento da cidadania e atrativo turístico e cultural.

Ao passear pela cidade, pode-se encontrar a história do município e de seus poetas na Estação do Conhecimento, que é o antigo prédio da Estação Férrea que foi revitalizado na proposta de intensificar a Educação Patrimonial, como também, caminhar pela Rua dos Poetas entre monumentos e memoriais, ler poemas e poesias nos muros, nas sacolas de compras, nas vitrines de lojas, no transporte coletivo e até mesmo encontrar poesia nos lanches e alimentos.

Para o sucesso destas propostas é necessário desenvolver o sentimento de pertencimento em relação a produção poética nos santiaguenses e isso não é algo que deve ser imposto por uma instituição ou pelo poder público, mas sim, acordado e debatido entre a sociedade e seus segmentos, pois como nos diz a Carta das Cidades Educadoras, em seu vigésimo princípio:

A cidade educadora deverá oferecer a todos os seus habitantes, enquanto objetivo cada vez mais necessário à comunidade, uma formação sobre os valores e as práticas da cidadania democrática: o respeito, a tolerância, a participação, a responsabilidade e o interesse pela coisa pública, seus programas, seus bens e serviços.


E esse é um processo que exige tempo, paciência, planejamento, trabalho contínuo e esperança na possibilidade de uma vida melhor com qualidade e comum a todos. Bem como, a compreensão que a educação ocorre no dia a dia, na vida da cidade e nas interações que realizamos nela e não somente na formalidade do interior dos muros escolares. Padilha (2010, p.11) coloca, em relação ao Programa Município que Educa, e que pode ser válido ao nosso entendimento ao relacionar que devemos ter:

um município onde poder público e sociedade civil trabalham juntos, de forma colaborativa e parceira, viabilizando o exercício da cidadania ativa. (...) Mas, fundamentalmente, deve ser um projeto coletivo que tem como ponto de partida um planejamento dialógico (comunicativo e crítico), compartilhado (com o envolvimento dos vários segmentos sociais) e ascendente (com atenção especial às demandas e à participação das bases da sociedade).


Pensar um projeto educativo de cidade é levar em conta as dimensões da vida humana em sua plenitude, oferecer uma maior compreensão da realidade local e oportunizar uma educação vinculada à necessidade de uma formação para o amanhã, que desenvolva o espírito empreendedor e a capacidade de transformar realidades e entornos.

Um exemplo disto, é o fato que ao passar dos anos reforçou-se o pedido da comunidade santiaguense pela geração de emprego e renda, visto que, a migração para centros produtivos, como a Serra Gaúcha, levou um grande número de jovens nesta busca e em suas bagagens, os sonhos e a esperança do crescimento profissional, estabilidade financeira e construção de futuros.

Como mudar esse cenário é o desafio da atual gestão municipal, onde o senhor Júlio Ruivo, ainda enquanto candidato ao cargo de prefeito, encontrou a possibilidade de uma mudança tendo o empreendedorismo como eixo central de seu Plano de Governo. Dolabela (2008, p. 61) nos diz que:

O empreendedorismo deve conduzir ao desenvolvimento econômico, gerando e distribuindo riquezas e benefícios para a sociedade. Por estar constantemente diante do novo, o empreendedor evolui através de um processo interativo de tentativa e erro; avança em virtude de descobertas que faz, as quais podem se referir a uma infinidade de elementos, como novas oportunidades, novas formas de comercialização, vendas, tecnologia, gestão, etc.


A partir de inúmeros estudos e do contato com experiências bem sucedidas, encontrou-se no Programa Cidade Educadora a base para a construção da visão de futuro do município de Santiago: “Ser referência em qualidade de vida”. Assim, a administração municipal preocupou-se em buscar a real compreensão de seus gestores e demais funcionários públicos sobre o que se pretende para o futuro e como transformar os espaços urbanos a partir de processos educativos, onde todos os habitantes são educadores.

Então, estratégias foram criadas: primeiro foram realizados cursos de formação de gestores, encontros formativos com secretários municipais, apresentação do programa em reuniões setoriais para funcionários públicos, por departamentos e secretarias, contato com experiências de outras cidades da rede e estudos teóricos, para então formar o Comitê Gestor do Programa Cidade Educadora.

O referido comitê é formado por um grupo de profissionais do poder público municipal, tendo um caráter multidisciplinar e procurando contemplar as diversas áreas do desenvolvimento local. Com reuniões periódicas, onde são definidas ações, realizado planejamentos integrados a plataforma de governo e aos princípios da Carta das Cidades Educadoras, como também, derivou a ordenação de oito metas municipais (1- Educação Ambiental, 2- Educação Fiscal, 3- Mobilidade e Planejamento Urbano, 4- Educação Patrimonial, 5- Município Saudável, 6- Participação Comunitária, 7- Promoção Humana e 8- Santiago Empreendedora), que devem ser trabalhadas em sintonia e parceria com a sociedade civil. Uma vez que:

A cidade educadora deverá fomentar a participação cidadã com uma perspectiva crítica e co-responsável. Para esse efeito, o governo local deverá oferecer a informação necessária e promover, na transversalidade, as orientações e as atividades de formação em valores éticos e cívicos. Deverá estimular, ao mesmo tempo, a participação cidadã no projeto coletivo a partir das instituições e organizações civis e sociais, tendo em conta as iniciativas privadas e outros modelos de participação espontânea. (9º Princípio da Carta das Cidades Educadoras)


Uma das formas de chamar a sociedade para participar desse processo de gestão foi a realização do Fórum Pró-Desenvolvimento de Santiago em abril de 2009. Onde os santiaguenses foram ouvidos e elencaram as prioridades concretas e sustentáveis para promover o Desenvolvimento Urbano, Econômico e Social, Educação e Saúde, em prol de um bem estar comum e almejando um futuro promissor a todos, que concretize os sonhos de uma cidade cada vez melhor para se viver e ser feliz.

O próximo passo, desse planejamento, é reforçar o compromisso do entendimento do que é uma Cidade Educadora e a importância da participação popular nesse processo de construção coletiva. Envolvendo as lideranças sociais, movimentos religiosos, instituições de ensino, clubes de serviço, ONGs, entre outros segmentos sociais, formalizando parcerias, estipulando metas e realizando avaliações e monitoramento de indicadores.

Algumas parcerias importantes já foram realizadas e possuem uma caminhada significativa junto à comunidade, como é o caso do Programa União Faz a Vida, do Sistema de Crédito Cooperativo (SICREDI), que objetiva construir e vivenciar valores e atitudes de cooperação e cidadania, por meio de práticas de educação cooperativa, sendo desenvolvido em parceria com a Rede Municipal de Ensino e trabalhado diretamente com os líderes de turma. Assim, como também, foi firmada a parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), primeiro com a aprovação de sua Lei Geral e posteriormente com a execução de um projeto pioneiro no Estado do Rio Grande do Sul, que pretende disseminar a Educação Empreendedora, passando desde a Educação Infantil, Fundamental, Ensino Médio e Superior. Formando e capacitando professores e gestores para o desenvolvimento de uma Pedagogia Empreendedora, que segundo Dolabela (2003, p. 31-32), baseia-se no entendimento de que empreendedorismo, pelo seu potencial como força importante na eliminação da miséria e na diminuição da distância entre as classes sociais, tem como tema central o desenvolvimento humano, social e econômico sustentável.

Outra Instituição que tem sido parceira e chamando para si o compromisso do desenvolvimento da cultura poética e a divulgação da identidade cultural de “Terra dos Poetas” é a Casa do Poeta de Santiago, Casa Caio Fernando Abreu, com a realização de Semanas Literárias, Concursos, Publicações, Cafezinhos Poéticos, Fórum Latino-Americano de Literatura Contemporânea e os Encontros de Escritores do MERCOSUL. Como foi o caso do V Encontro realizado nas cidades de Posadas (Argentina) e Encarnación (Paraguai), resultando nesta obra denominada “Diálogos Culturais” e tornando-se um momento de constante interação, troca de experiência e aproximação cultural e dos desejos de construção de uma sociedade mais humana, com igualdade, tolerância e respeito à diversidade.

A Cidade Educadora de Santiago participou do encontro apresentando sua caminhada, aqui sintetizada, e levou ao conhecimento dos participantes do evento o Projeto “SMEQUINHO”, que trata-se de um micro ônibus transformado em uma biblioteca infantil. O presente projeto é desenvolvido desde o ano de 2004, primeiramente tinha como objetivo desenvolver o gosto pela leitura através da ludicidade, com encenações, dinâmicas e horas do conto. Mas a partir do ano de 2010, durante a realização da 12ª Feira Municipal do Livro, o Smequinho passou a ser mais um instrumento de sensibilização do Comitê Gestor do Programa Cidade Educadora.

Atualmente a “biblioteca sobre rodas”, trabalha efetivamente a proposta da construção de Santiago enquanto uma Cidade Educadora, explorando as metas municipais a partir da literatura. Ou seja, na “Terra dos Poetas” é a literatura e suas personagens que ensinam a comunidade como transformar a sua cidade e melhorar a qualidade de vida de seus habitantes.

As atividades foram divididas em dois momentos distintos: Smequinho vai à Escola e Smequinho na Comunidade. No primeiro, conforme agendamento são atendidos os alunos das Escolas Municipais. Eles participam de atividades que exploram noções de Educação Patrimonial, Educação para o Turismo, Educação Ambiental, Educação Fiscal, Trânsito, Saúde e Higiene. No segundo momento, todas essas dimensões são trabalhadas em uma data comemorativa utilizando os espaços públicos da cidade e envolvendo a comunidade, criando a ideia de educar na cidade, com a cidade e para a cidade.

Os profissionais que dinamizam esse projeto fazem parte das diversas secretarias municipais, sendo que são coordenados pela Secretaria de Educação e Cultura. Mas a concepção que se quer é a de que todos somos educadores e o compromisso da construção de uma cidade realmente educadora depende da união de todos, procurando contemplar todas as áreas do desenvolvimento local. Essa é uma preocupação que a cidade de Santiago possui de não relacionar unicamente os processos educativos à educação formal, ou colocar nos ombros da Secretaria Municipal de Educação a responsabilidade de gestão do Programa Cidade Educadora.

Constatou-se que o projeto educativo de cidade depende da parceria da educação não-formal e informal para que haja uma abrangência significativa e produtiva. Por isso a cidade deve ser vista como um organismo vivo com enorme potencial educador e seus espaços devem refletir isso, assim como as imagens do urbano devem evidenciar o caráter educativo o qual a cidade se propõem.

Estamos dando início a esse processo, que depende do envolvimento da comunidade, pois deverá ser uma caminhada construtiva que evolua inerente a interesses particulares ou políticos partidários. Onde o que esteja em jogo seja o bem comum, disputado em uma partida coletiva e que cada gol possa ser comemorado de forma a unir, cada vez mais, corações e mentes a serviço de revolucionar a espécie humana e seu meio ambiente a partir da educação e do desenvolvimento prático da cidadania, indo além da limitação conceitual e ganhando vida em cada ação do dia a dia.

Alguns dos benefícios para a cidade e a população que aderem ao Programa Cidade Educadora, é poder mostrar sua cidade, seus programas, suas ações inovadoras, servir de exemplo, fazer parte de uma rede de cidades com uma filosofia comum, compartilhar experiências e formular projetos conjuntos com base nos princípios da Carta das Cidades Educadoras. Sendo que esta tem como base a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), a Declaração Mundial de Educação para Todos (1990) e a Declaração Universal sobre Diversidade Cultural (2001). Sendo que foi redigida inicialmente no I Congresso Internacional de Cidades Educadoras, realizado em Barcelona, em novembro de 1990, contendo os princípios essenciais ao impulso educador da cidade.

Posteriormente foi revista no III Congresso Internacional (Bolonha, 1994) e no de Gênova (2004), para que suas abordagens fossem adaptadas aos novos desafios e necessidades sociais.

Assim, acreditar, ousar, empreender e sonhar são algumas das ações que desejamos e semeamos no interior de cada ser humano que vive e constrói a cidade que temos, sendo agentes transformadores para a cidade que queremos. A “Terra dos Poetas”, sob a constante proteção e inspiração das Musas irmãs, Clio e Calíope, busca através da poesia despertar o caráter educador de cada cidadão santiaguense e convocá-lo para essa árdua, mas gratificante batalha em defesa do desenvolvimento e do bem comum.

Cidade Educadora: um compromisso coletivo, um sonho possível!


Referências Bibliográficas:

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Carta das Cidades Educadoras. Disponível em: http://www.pmsantiago.com.br/carta

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____________________; Pedagogia empreendedora. São Paulo: Editora de Cultura, 2003.

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FUNARI, Pedro Paulo Abreu. Patrimônio histórico e cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.

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Revista da Rede Brasileira de Cidades Educadoras. Reabilitação Urbana: A Cidade Inclusiva. Nº. 02, Abril de 2008.

STRIEDER, Roque. Educar para a iniciativa e a solidariedade. Ijuí: Ed. Unijuí, 2004.

Valores e diálogos para uma cidade educadora. São Paulo: Editora e Livraria Instituto Paulo Freire, 2010.