terça-feira, 29 de junho de 2010

A EDUCAÇÃO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOB OS OLHARES DE CLIO

“As leis não bastam, os lírios não nascem das leis.”
Carlos Drummond de Andrade


Desde a Grécia Antiga, quando emerge da mitologia, Clio a jovem “proclamadora” Musa da História tem a tarefa de registrar com seu estilete da escrita todas as ações e fazeres dos homens e mulheres. Percebo que ao longo de sua produção, essa Deusa, consegue fazer com que os seres humanos voltem-se para os seus feitos e possam questioná-los, revisitá-los e torná-los vivos novamente graças aos seus registros e a valiosa contribuição de sua mãe Mnemósine, a memória.

Pode-se até pensar que Clio não consiga ter o domínio de todas as produções humanas, mas quando menos se espera, surgem do baú dos esquecidos novas abordagens que acabam por revelar ações e vozes que pensavam-se estarem excluídas do seu olhar. É por essa razão que esse ofício foi destinado a uma Deusa, uma vez que, está nos mortais a formulação de questionamentos que os angustiam e que fazem com que Clio revele suas multifacetadas versões.

Meu propósito em invocar a Musa da História é para que através de sua contribuição eu possa estabelecer relações entre a Educação e a Legislação. Vindo, dessa forma, construir uma retrospectiva histórica da Educação nas Constituições Brasileiras.

Assim, Clio estabelece um contato com Themis (a Deusa da Justiça) e me faz compreender que um texto constitucional representa a institucionalização de um conjunto de normas básicas. Criando uma nova ordem ao Estado, que nada mais é que o povo politicamente organizado nas esferas tanto jurídica e política, como também, econômica, social e cultural.

Ao analisar os escritos dessa Musa, aprendo e constato que o Brasil já possuiu inúmeras constituições e várias emendas que fizeram com que se alterasse esta lei, considerada máxima do Estado. A primeira Constituição em 1824 nasceu dos anseios e reclamações da população, sendo conseqüência da Independência do Brasil em 1822.

Essa Constituição outorgada pelo imperador D. Pedro I, é considerada por muitos discípulos de Clio como inovadora para a época, pois abarcava muitos avanços se comparada com outras da Europa no mesmo período. A educação aparecia no texto legal preceituando que a instrução primária deveria ser gratuita, beneficiando a todos os cidadãos. Ela previa também a existência de colégios e universidades onde seriam ensinados elementos das letras, belas artes e ciências, ficando em vigor por 67 anos.

A que lhe segue é resultado da Proclamação da República em 1889, onde em 1891 entra em vigor sendo caracterizada como democrática e liberal, mas no campo educacional pouco foi alterado ou acrescentado da anterior. Ela vigorou por 43 anos e não avançou em relação aos direitos sociais.

Diante dos contextos que a tela elaborada por Clio nos apresenta durante a década de 30 é que surge a Constituição de 1934, considerada por muitos autores como a mais liberal de todos os textos legais. Ela trouxe consigo grandes avanços no campo educacional, incorporando as teorias discutidas por intelectuais e educadores da época.

É importante ressaltar que foi a primeira vez que apareceu em um texto constitucional a intenção e a preocupação de se fixar diretrizes para a educação. Com ela começou a conscientização da importância das Políticas Educacionais, bem como, conferiu caráter obrigatório ao ensino primário e à sua gratuidade. Criou-se o Conselho Estadual de Educação, que tinha as mesmas funções do Conselho Nacional de Educação, propôs-se a organização dos sistemas educacionais e a captação de recursos oriundos de impostos para o financiamento da educação.

Mas a História é moldada de construções e desconstruções e na maioria das vezes nos faz parecer que estamos retrocedendo em certos pontos. Essa idéia foi defendida por muitos com a promulgação da Constituição de 1937. Com as articulações de Vargas em seu “golpe de Estado”, esse novo texto traduziu o seu caráter ditatorial em muitos aspectos, como por exemplo o tratamento dado à educação puramente restrito. Ficava preservada a gratuidade do ensino primário, mas era necessário pagar-se uma taxa mensal por parte da população considerada com maiores condições, sendo que a mesma era destinada à caixa escolar. Esse texto também não contemplava o direito à obrigatoriedade do ensino para todos os cidadãos.

Influenciada pela onda pós segunda guerra mundial (1939-1945), a Constituição de 1946 inspirou-se nos princípios democráticos da anteriormente citada Constituição de 1934, vindo a garantir a liberdade de pensamento, direitos e garantias aos cidadãos. Outro grande passo foi a consagração do ensino primário obrigatório e gratuito, sem falar nas percentagens arrecadadas das receitas fiscais como nunca menos de 10% da União e nunca menos de 20% dos estados, municípios e Distrito Federal.

A Constituição de 1946 teve um elemento crucial que foi o retorno da União à legislação nas Diretrizes e Bases da Educação Nacional, fato este que vem consolidar a futura elaboração da LDBEN (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), onde foi aprovada em 1961 através da Lei nº 4.024/61.

É fato dentro da evolução histórica registrada por Clio, que cada governo ou ideologia político-partidária vai conduzir do seu modo as diretrizes que norteiam a vida da população, todos de acordo com os seus interesses para a legitimação de seu poder. O texto constitucional de 1967 foi promulgado em meio a protestos, tensões, desrespeito a direitos básicos e embates políticos, uma vez que nesse período, a tortura, a censura e a perseguição tornaram-se comuns e banais. Deixando esse período histórico marcado pelo autoritarismo na história brasileira.

Para a educação essa Constituição estendeu a obrigatoriedade do ensino primário dos 7 aos 14 anos de idade, deixando de fora os percentuais mínimos a serem investidos na educação. Foi dentro da áurea ditatorial que surgiu a Ementa Constitucional nº 1 (defendida por muitos estudiosos como sendo a sétima constituição brasileira), por ter alterado bastante o texto constitucional que se refere a educação. Foi uma época conturbada e bastante difícil para a maioria dos professores que eram vigiados, investigados e até torturados e mortos devido a forma ou idéia que demonstravam ao repassar os conteúdos, sendo que foi muito afetada a área das ciências humanas.

Com o processo de abertura e redemocratização nos anos 1980, a Constituição de 88, consagrou alguns direitos inalienáveis e registrou avanços legais para os brasileiros de um modo geral. Só que muito de seus princípios tiveram que ser regulamentados por leis posteriores, como é o caso da educação com a LDBEN – Lei Nº. 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). Ficando expresso isso, no texto constitucional, em seu capítulo III, seção I, artigos 205 a 214.

Esta Carta Magna é considerada como a mais liberal e democrática que nosso País já possuiu, ao longo dos registros de Clio, trazendo muitos avanços em relação às anteriores. Ela expressa que a educação é um direito de todos e dever da família e do Estado, sendo prioritária a seguridade para crianças e adolescentes, vindo a ser promovida e incentivada a colaboração da sociedade na busca do desenvolvimento pleno do cidadão.

No corpo de sua escrita, no que tange “Da Educação, da Cultura e do Desporto”, preceitua a garantia do Ensino Fundamental, obrigatório e gratuito. Como também, estende para aqueles que não tiveram acesso na idade própria esses mesmos preceitos, demonstrando um caráter mais inclusivo e fazendo-se contextualizar pela realidade social.

Um exemplo das muitas Emendas, que posteriormente auxiliaram na complementação da redação, destaco a Emenda Constitucional nº 53, de 2006. Onde cita a garantia da Educação Infantil, em creche e pré-escola, para crianças de até 5 anos de idade. Isso alavancou ainda mais a necessidade de se pensar na infância e a importância do cuidado com a formação da primeira etapa da educação básica. Essa Emenda cria o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) e também amplia a idade para o ingresso no primeiro ano do Ensino Fundamental, que antes era de sete anos, passando a ser para seis anos de idade, bem como, a duração de oito para nove anos de estudo no Ensino Fundamental.

São inúmeras as possibilidades de exploração que essa Constituição nos traz, como também, todas as complementações que foram sendo feitas com o passar da existência de Clio. O interessante é não pensarmos a Educação desassociada deste contexto histórico de lutas, avanços e retrocessos.

Pois o hoje pauta-se no ontem, na experiência, na transformação, ou na perpetuação deste e pensar os processos educativos é pensar em todo o arcabouço político que o sustenta, analisando-o a luz das Teorias da Educação em relação com os elementos tricotados por Clio, nessa nossa grande colcha de retalhos multifacetados.

Referências Consultadas:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1988.

DIDIO, Renato Alberto Teodoro. Contribuição à sistematização do direito educacional. São Paulo: Universitária, 1982.

LIBÂNEO, José Carlos. Educação escolar: políticas, estrutura e organização. São Paulo: Cortez, 2005.

MOTTA, Elias de Oliveira. Direito educacional e educação no século XXI: incluindo comentários à nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e Legislação Conexa e Complementar. Brasília: UNESCO, 1997.

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