terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Urânia e a arte de observar estrelas

“Somente quem tem o caos dentro de si pode dar à luz uma estrela bailarina.” (Nietzsche)


Os céus sempre despertaram interesse nos seres humanos, desde os primórdios dos tempos à contemporaneidade. E essa arte de observar os astros acompanha a história humana nas mais diferentes culturas e civilizações, quer seja ligada a rituais religiosos, como na maioria das vezes, ou para contagem do tempo, previsões e até mesmo para se explicar o próprio mundo e o porquê de se estar nele, através da narrativa mitológica.

Com os olhos voltados para o céu e vestida com um manto bordado de estrelas cintilantes, a “rainha das montanhas”, Urânia, a Musa grega da astronomia e da astrologia, faz-se presente em cada momento de contemplação. Onde nós, meros mortais, ficamos a admirar os mistérios luminosos sob nossas cabeças, imaginando, sonhando e até esperando...

Pessoalmente sempre tive e tenho até hoje um fascínio por observar as estrelas, lembro que quando criança adorava passar momentos deitado na grama olhando para a o céu. Procurava encontrar as formas das constelações, fazia meus próprios desenhos, esperava pelos famosos “discos voadores” e não me contentava com as explicações: “essas estrelas andantes são satélites!”. Adorava segui-las, não me importando com as verrugas que cresceriam nas pontas dos dedos de tanto apontá-las, perde-las, procurá-las e encontrá-las novamente. Certamente era como um pequeno discípulo da Musa inspiradora do estudo dos astros.

Ainda me pego fechando os olhos e fazendo pedidos ao observar cortar o céu um rápido risco luminoso, que ainda insisto em chamar de estrelas cadentes. Sabe como é? Crescemos e passamos a validar somente o conhecimento científico universal e deixamos de dar crédito às fantasias, histórias e aos mitos populares e infantis. Que bobagem! Pois é justamente esse universo fantasioso, onde habita o imaginário, que nos dá as condições necessárias de vivermos frente a todos os desafios que o mundo real nos apresenta e nos impõem.

E justamente por causa desse mundo real, que acabei esquecendo essas coisas e que agora me recordo com tão bons sentimentos, graças a ilustre presença de Mnemósine. Ando (como muitos) sempre cheio de afazeres, compromissos e coisas para pensar e me preocupar, que acabo esquecendo das coisas mais simples que me enchem de prazer, como é o fato de observar as estrelas.

Costumo, ao ir embora a noite, após falar algumas bobagem com a Andressa, colocar meus fones, escutar minhas músicas, cantarolar as vezes e manter um ritmo de caminhada contínua sem ficar me detendo com o mundo a minha volta. Nesses momentos meu pensamento voa longe e espero só chegar em casa, deitar e dormir para iniciar mais um dia em minha sobrevivência.

Sabe, já faz tempo, mas uma noite dessas (e várias outras também), fui pego de surpresa. Pois a senhora onde eu moro, ao me ver chegar perguntou: Como está o tempo? Até aí tudo bem, mas em breve vieram as perguntas: Como está o céu? Está estrelado?... Bem eu não sabia o que dizer, pois não tinha o costume de olhar para o céu, ou ao menos não de me deter nele, ou gravar alguma imagem que desse margem a uma resposta melhor do que a minha: Não sei, não olhei... Vim com tanta pressa que nem reparei.

Puxa! Ficava arrasado toda vez de responder, como posso não ter olhado ou visto algo de diferente, não percebi que lua era, ou pior, se tinha uma a brilhar no céu. Mas um dia decidi me preparar, para quando me for perguntado eu consiga responder sem ficar constrangido. Comecei a parar antes de entrar em casa, ainda ouvindo música e olhar para o céu. É maravilhoso! Geralmente fico até terminar uma música ou começar uma outra e de vez enquando tem um vizinho a olhar timidamente por entre frestas de janelas e a imaginar: que estranho... que louco... deve estar bêbado... ou é pancada mesmo.

Não me importo! Pois emergiu em meu ser momentos mágicos a tempos esquecidos. Percebi o quanto gosto de olhar as estrelas e que ainda possuo os mesmos sonhos, desejos e fantasias da infância. Que bom!

De vez em quando, durmo somente com os vidros da janela fechados para poder observar o céu, cuidar o caminho das estrelas andantes, segui-las e até fazer alguns pedidos quando surpreendido por alguma estrela cadente. Parece uma coisa tão boba, mas tem um poder simbólico tão grande, carregado de sentimentos e com a mágica necessária para fazer com que eu viva em outro mundo, em outra realidade. Coisa que somente Urânia consegue mensurar e compreender.

Certo dia li num jornal que ganhei de um amigo, um texto escrito por ele sobre a arte de tomar sorvete no calçadão e me identifiquei com sua escrita. Até pensei em comentar com ele sobre isso, mas acabei me esquecendo. Pois é justamente esse sentimento de déjà vu, de identificação com o momento ou com a ação, fragmentados nas reminiscências de nossas memórias, que fazem com que se dê tanto sentido para essas pequenas coisas, tornando-as gigantescas.

Adoro olhar as estrelas, gosto do cheiro de terra molhada, admiro uma boa chuva, seus pingos a água se acumulando ou correndo, um purificante banho de chuva, o cheiro de pão quente, chocolate a qualquer hora, o perfume inconfundível que lembra minha mãe, comer pêra verde, o mingau de aveia da Sandra, olhar desenhos animados de antigamente, filhotes de cachorro, pescaria mesmo sem pescar nada, jogar Super Mário, assustar as pessoas, rever queridos amigos, falar bobagens, rir e lembrar do passado.

Bom, na verdade não importa o que dos traz lembranças, mas que as tenhamos. Mesmo que as vezes nos façam chorar, o importante é saber que temos algo à rememorar, ou a identificarmos com o outro, pois como nos fala Maria Zambrano; “Não é de todo infeliz aquele que pode contar a si mesmo a sua história...”


À querida Irmã Iracy Pizzutti que sempre me falou que: Os que ensinam os outros, um dia como estrelas, no céu brilharão.”


O SILÊNCIO DAS ESTRELAS

3 comentários:

  1. Gostei muito deste post,Rodrigo.Parabéns.Sou leitora de Zambrano eadmiro muito a biografia dela.Quanto às estrelas,que possam estar presentes aos montes em seu ano novo.
    myspace.com//dangelex

    ResponderExcluir
  2. Lindo! Armindo Trevisan escreve que todos nascemos poetas, mas deixamos a poesia se perder quando passamos a compreender a realidade...
    Felizmente, alguns remanescem...
    Abraços literários!

    ResponderExcluir
  3. Encantei-me com sua visão de vida ao ler seu artigo sobre Urânia.

    Neste mundo há coisas que não se explicam. Acontecem... Somos peças pequenas de um enorme quebra cabeças.

    Urânia de certa forma chegou a Santiago.


    Beijos

    Marilene

    ResponderExcluir

Olá, que bom poder contar com a sua visita. Volte sempre!